Diferença entre usuário de drogas e traficante: como a lei trata isso?

No Brasil, qualquer conduta relacionada às drogas consideradas ilícitas ainda é considerada crime, de acordo com a atual Lei de Drogas (11.343/2006). Essa legislação estabelece duas figuras legais distintas: a pessoa usuária e a pessoa traficante. A usuária é aquela que possui drogas para consumo pessoal, enquanto a traficante é a que tem a intenção de lucro, com propósito comercial.

Advogado especialista em direito criminal

No entanto, na prática, essas duas situações são frequentemente muito parecidas, e não é possível determinar com certeza a destinação da droga apreendida, se para consumo ou para o comércio. Isso acaba gerando uma inversão do ônus da prova, em que a pessoa flagrada com drogas é presumida como traficante, tendo que provar o contrário para ser considerada usuária. Essa dinâmica afeta desproporcionalmente pessoas em situação de vulnerabilidade social, como jovens, negros e analfabetos.

Principais conclusões:

  • A atual Lei de Drogas (11.343/2006) distingue entre usuário e traficante, mas na prática é difícil determinar a destinação da droga apreendida.
  • Há uma inversão do ônus da prova, em que a pessoa flagrada com drogas é presumida como traficante, tendo que provar o contrário.
  • Essa dinâmica afeta desproporcionalmente pessoas em situação de vulnerabilidade social, como jovens, negros e analfabetos.
  • Propostas no Supremo Tribunal Federal visam estabelecer critérios mais claros para diferenciar usuário e traficante.
  • O encarceramento por tráfico de drogas vem crescendo significativamente no Brasil, principalmente entre mulheres e grupos vulneráveis.

A Lei de Drogas (11.343/2006)

A Lei de Drogas (11.343/2006) mantém a proibição das drogas consideradas ilícitas no Brasil. O artigo 28 da lei despenaliza a conduta relacionada ao uso pessoal, mas ainda prevê sanções administrativas, educativas ou penais que não restrinjam a liberdade da pessoa usuária. No entanto, a falta de critérios objetivos na lei para diferenciar usuário de traficante faz com que, na prática, a pessoa flagrada com entorpecentes ilícitos seja presumida traficante, tendo que provar o contrário. Isso viola o princípio da presunção de inocência e acaba criminalizando desproporcionalmente pessoas em situação de vulnerabilidade social.

A Lei nº 11.343, datada de 23 de agosto de 2006, institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad). O Sisnad tem como objetivo coordenar atividades relacionadas à prevenção, atenção e reintegração social de usuários e dependentes de drogas, bem como à repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas.

O sistema opera em conjunto com o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Os princípios do Sisnad incluem respeitar os direitos humanos fundamentais, promover valores éticos e o consenso nacional sobre as questões de drogas.

  • Os objetivos do Sisnad incluem promover a inclusão social, compartilhar conhecimento sobre as drogas, integrar políticas de prevenção e repressão, e garantir a coordenação e integração das atividades conforme o Artigo 3 da Lei.
  • O Governo Federal tem competências como formular e coordenar a execução da Política Nacional sobre Drogas e estabelecer objetivos, ações estratégicas e métodos de financiamento para as políticas sobre drogas.
  • O Governo também é encarregado de divulgar dados estatísticos nacionais sobre prevenção, tratamento, reintegração social e econômica, e repressão do tráfico de drogas.
  • Outras competências incluem adotar medidas contra crimes transfronteiriços e formular uma política nacional de controle de fronteiras para evitar a entrada de drogas no país.

“Mais de 70% das pesquisas de opinião pública demonstram aprovação ao sentimento contrário à descriminalização das drogas ilícitas, enfatizando o impacto nocivo para a sociedade (no âmbito da saúde pública e da segurança pública).”

Tráfico de drogas e associação ao tráfico

O tráfico de drogas é considerado um crime grave no Brasil, com penas que foram endurecidas pela Lei de Drogas de 2006. Além do tráfico em si, a associação ao tráfico também é criminalizada, englobando a participação em quadrilhas e organizações criminosas voltadas ao comércio ilegal de drogas.

Segundo a Lei 11.343/06, a associação ao tráfico de drogas implica em reclusão de 3 a 10 anos, com pagamento de 700 a 1.200 dias-multa. No entanto, os tribunais superiores têm um entendimento pacífico de que a associação ao tráfico não deve ser equiparada a crime hediondo.

Para a caracterização do crime de associação para o tráfico, é imprescindível o dolo de se associar com estabilidade e permanência, excluindo a reunião ocasional de pessoas. Além disso, a configuração desse crime não exige a apreensão direta de drogas pelo agente.

É importante ressaltar que a condenação simultânea nos crimes de tráfico e associação para o tráfico impede a incidência da diminuição de pena prevista na Lei de Drogas. Ademais, o art. 40 dessa lei prevê causas de aumento de pena nesses crimes, como a transnacionalidade do crime e a prática com violência.

Em suma, o endurecimento da legislação, aliado à falta de critérios objetivos para diferenciar usuário e traficante, resultou em um aumento significativo da população carcerária brasileira, especialmente de mulheres presas por crimes relacionados a drogas.

Tráfico de drogas

“O crime de associação exige que as pessoas envolvidas estejam se unindo de forma estável para organizarem operações de tráfico de drogas, não sendo suficiente encontros ocasionais.”

Critérios para diferenciar usuário e traficante

A distinção entre usuário e traficante de entorpecentes ilícitos é um desafio complexo no Brasil, uma vez que não há parâmetros claros definidos em lei para essa diferenciação. Isso leva a uma discricionariedade exagerada das autoridades e do sistema de Justiça, afetando desproporcionalmente pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Quantidade de droga apreendida

Alguns países adotam critérios objetivos, como a quantidade de droga apreendida, para diferenciar condutas de usuário e traficante. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, propôs a adoção de uma presunção relativa de que a pessoa é usuária quando apreendida com 25 a 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas, deixando a cargo das autoridades a comprovação de outros elementos que caracterizam o tráfico de drogas.

  1. Essa proposta busca evitar que a mera quantidade de droga seja o único critério para diferenciar usuário e traficante, o que tem afetado desproporcionalmente pessoas em situação de vulnerabilidade social.
  2. Estudos mostram que jovens, negros e analfabetos são considerados traficantes com maior frequência, mesmo quando presos com quantidade de droga inferior à apreendida com pessoas acima dos 30 anos, brancas e com ensino superior.
  3. A adoção de parâmetros objetivos não substitui a necessidade de verificar as atividades de comércio ilegal de substâncias controladas para invocar a legislação adequada.

Fornecer sinalizações claras e justas para uniformizar a aplicação da Lei de Drogas no Brasil é crucial para reduzir injustiças e efetivar princípios e garantias constitucionais, como a presunção de inocência.

Conclusão

A diferenciação entre usuário e traficante de drogas no Brasil ainda apresenta desafios. Embora a Lei de Drogas (11.343/2006) estabeleça essa distinção, a falta de critérios objetivos para aplicá-la na prática resulta em uma inversão do ônus da prova, em que a pessoa flagrada com drogas é presumida traficante, tendo que provar o contrário para ser considerada usuária. Essa dinâmica acaba afetando desproporcionalmente pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Propostas como a do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que sugere a adoção de uma presunção relativa de uso quando a quantidade de droga apreendida estiver dentro de determinados limites, podem contribuir para uma aplicação mais justa e isonômica da lei. Isso é crucial no combate ao tráfico de drogas e associação ao tráfico, narcotráfico e crime organizado, evitando que a lei de drogas seja aplicada de forma desproporcionada e prejudique ainda mais pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Nesse contexto, o papel de profissionais como os advogados da Vieira Braga é fundamental para garantir a correta interpretação e aplicação da legislação sobre entorpecentes ilícitos e o combate ao tráfico, de modo a combater efetivamente o comércio ilegal de substâncias controladas e as quadrilhas do tráfico, sem criminalizar indevidamente usuários de drogas.

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